No dia 13 de janeiro de 1969, há exatos 44 anos eu e outros tantos jovens deslumbrados pela ciência médica, colávamos grau no majestoso Teatro Municipal de São Paulo. Éramos a primeira turma de médicos a se formar pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, e a ultima a usar o Teatro Municipal como palco deste ato solene. A Prefeitura de São Paulo não estaria mais autorizando o Teatro Municipal para estes atos, que seriam como foram, transferidos para o novíssimo Centro de Convenções do Anhembi.
Naquela oportunidade, como todos os demais médicos formandos, uma declaração solene tradicionalmente feita por médicos por ocasião de sua formatura, sobressaia na solenidade, o Juramento de Hipócrates.
Considerados aptos a exercer a medicina, no momento em que fomos aceitos como tal pelos nossos pares e admitidos como novos membros da classe médica, o juramento hipocrático é considerado um patrimônio da humanidade por seu elevado sentido moral e, durante séculos, tem sido repetido como um compromisso solene dos médicos, ao ingressarem na profissão.
Na realidade não tínhamos de forma clara para que e por que estávamos jurando. Muito menos podíamos imaginar o que iríamos encontrar nesta jornada que está completando 43 anos.
Naqueles dias sobressaíam as ideias e pensamentos do nosso grande mestre, o inigualável, Walter E. Maffei (1905-1991).
Anotei frases célebres do Prof. Maffei, que, entretanto na época não entendíamos bem seu significado e sua importância:
Não fazer autópsia é empurrar o lixo para debaixo do tapete.
Na mesa de autópsia é onde se lavam as mentiras.
A Medicina é uma só, chama-se M-E-D-I-C-I-N-A, os ditos especialistas, são médicos que usam equipamentos para exercer a sua especialidade, estes mesmos equipamentos cuja indústria no futuro vai corromper os médicos.
Dirigindo-se aos recém-formados: Doutores, os senhores serão os futuros proxenetas da indústria farmacêutica.
Outras tantas afirmações e dizeres do Prof. Maffei não eram entendidas por todos nós, pois não conseguíamos acompanhar o raciocínio do grande mestre, que nos parecia estranho, pessimista, preconceituoso e por alguns até como sinônimo de aterosclerose cerebral insipiente. Não foram necessários mais do que dez ou doze anos para atestar a veracidade daquelas palavras e pudemos transmitir ao Professor nossa incredulidade pela maneira como ele conseguia enxergar o triste caminho que a Medicina iria percorrer. E estávamos só começando.
Polêmico e muitas vezes irreverente, defendia com muita propriedade seus pontos de vista, o que ressaltava a firmeza de suas convicções e a eficiência de suas atuações profissionais, sempre alicerçadas nos princípios éticos.
Hoje vivemos uma realidade que só é diferente do que previa o Professor, porque a situação é muito pior do que ele imaginava.
A decadência do sistema de saúde oferecida pelo governo, a proliferação desenfreada de convênios médicos e de seguros-saúde, de má qualidade e controlados por Agencia ou Instituição inerte e corrupta leva a pratica médica a beira do caos, orquestrada pelo governo incompetente.
As “autoridades” tentam evidentemente sem sucesso, exterminar com uma doença, a Dengue, matando o mosquito num país de dimensões continentais, com 8,5 milhões de km2 e um povo com baixa instrução. Estas mesmas “autoridades”, no dia de hoje, tentam encontrar uma explicação de como deixaram 25 mil mulheres colocarem prótese de silicone industrial e onde estão elas.
A abertura indiscriminada de escolas médica no país, só no estado de São Paulo temos trinta e duas, oferecem aos jovens, escolas de medicina sem hospitais, que estão formando médicos sem qualquer experiência para o exercício mais rudimentar da medicina.
A falta de perspectivas futuras faz com que os médicos se interessem precocemente por "subespecialidades”. O diagnóstico etiológico, que era feito com arte, depende atualmente da tecnologia. Assim, os médicos examinam menos seus pacientes e tendem a tratar as imagens e não mais os doentes.
Os avanços tecnológicos "espetaculares" em Medicina tornam o custo final absurdamente caro, apesar de serem eficazes. Nem o médico, nem o paciente abre mão das tecnologias modernas: o paciente, influenciado pela mídia e o médico (entre outras razões) por questões jurídicas. Assim, os exageros na solicitação de exames enriquecem as "máquinas" e os médicos mal remunerados, indiretamente pagam as contas, ficam cada vez mais insatisfeitos. Estas deformações no médico em formação geram inércia, ineficiência, recursos desviados, corrupção etc., coisas que assistimos e lemos diariamente na mídia.
Os médicos aos poucos foram descobrindo que os órgãos de classe, Associações, Sociedades, Conselhos e assemelhados são excelentes lugares para conseguir uma projeção na política médica e até mesmo na política em geral, seja ela municipal, estadual ou federal. A remuneração destes cargos não guarda qualquer relação com a prática da medicina. A quantidade de médicos ocupando estes cargos é cada vez maior, gerando disputas intensas quando das eleições. A corrupção burla a lei, ignora a justiça, despreza a verdade, favorece a impunidade, destrói o bem comum e ensina a hipocrisia, agravando os problemas da saúde e enriquecendo os maus administradores da coisa pública.
A vulgarização, banalização e a desmoralização dos assuntos médicos, tema corriqueiro na mídia, deveriam ser observados pelas sociedades médicas, que por sua vez estão corrompidas.
O relacionamento médico-paciente, tão importante em outras épocas, mudou. Os indigentes "desapareceram", a livre-escolha (que seria uma preservação natural dos direitos humanos) somente é praticada por poucos privilegiados. Os antigos pacientes, resignados, conformados, que confiavam no seu médico ( A Medicina arte) e esperavam serenamente os resultados, já não existem mais. Hoje, tornaram-se "fregueses", ou consumidores, que cobram resultados baseados na mídia e usam a justiça sem muito ou nenhum critério.
O profissional liberal, que resolvia diretamente com o paciente e/ou familiares todos os problemas médicos ou não, está desaparecendo. Hoje proliferam os profissionais autônomos (que prestam serviços a terceiros) ou os profissionais assalariados (públicos e/ou privados); uns e outros trabalhando sob vigilância, em que se procura gastar o menos possível, sob risco de punição, sem haver preocupação com a qualidade do serviço médico prestado.
As intermediações entre médicos, convênios, hospitais, empresas, fornecedoras de materiais e pacientes, tornaram a medicina altamente custosa, e o assunto médico um "bom negócio", ou um business para os empresários da saúde.
Eu pessoalmente ouvi em reunião de um hospital de São Paulo, dita para que todos soubessem da posição da instituição uma frase que sintetiza tudo que aqui foi dito: “O que atrapalha o nosso hospital são os médicos!”. Esta cretinice foi pronunciada pelo indivíduo que por 16 anos gerenciou o dinheiro da instituição.
E por fim a moral e a ética médica, também vão aos poucos sofrendo influências contemporâneas e desmoronando.
Com todo respeito as senhoras Putas, sem a menor intenção de compará-las com meus colegas médicos, gostaria apenas de deixar claro que fosse possível estaria entregando uma cópia das linhas que se seguem ao nosso inesquecível Professor Maffei.
MÉDICOS e PUTAS
Você trabalha em horários estranhos.
Que nem as putas!
Pagam pra você fazer o cliente feliz.
Que nem as putas!
Seu trabalho sempre vai além do expediente.
Que nem as putas!
Seus amigos se distanciam de você, e você só anda com outros iguais a você.
Que nem as putas!
Quando vai ao encontro do cliente, você tem de estar sempre apresentável.
Que nem as putas!
Mas quando você volta, parece saído do inferno.
Que nem as putas!
O cliente quer sempre pagar menos e que você faça maravilhas.
Que nem as putas!
Todo dia, ao acordar, você diz: "Não vou passar o resto da vida fazendo isso!”.
Que nem as putas!
Se as coisas dão errado, é sempre culpa sua.
Que nem as putas!
Você sempre acaba fazendo serviços de graça para o chefe, para os amigos etc.
Que nem as putas!
Apesar de tudo isso, você trabalha com prazer.
Que nem as putas!
Porém, na verdade:
O médico tem uma vida pior do que puta!
Puta não atende convênio.
Puta recebe na hora.
Puta não dá recibo nem nota fiscal.
Puta não declara seus clientes para o Imposto de Renda.
Puta não preenche guias e papeladas.
Puta não precisa ter contador.
Puta não paga sindicato, associações nem Conselho Regional.
Puta não precisa ter Certificado digital.
Puta não segue código de ética.
Puta não precisa ir a congressos e cursos.
Puta não precisa revalidar título de especialista.
E tem muita puta por aí ganhando mais do que médico!
Até qualquer dia.