Por outro lado, a imagem do plano de fundo foi feita pela Curiosity Mars Science Laboratory em 08 de setembro de 2012 no 33º dia após o pouso na superfície de Marte observando-se o solo marciano como jamais foi visto. E também não é bobagem...
Image credit: NASA/JPL-Caltech/MSSS.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O fracasso do PEP

O Dr. Adriano Cavalcante Sampaio, professor e pesquisador da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco, desenvolveu em uma tese de doutorado pela Fiocruz-Pernambuco um tema pouco discutido entre nos médicos: o zelo no preenchimento do prontuário do paciente.
O estudo foi denominado “Avaliação do Preenchimento de Prontuários e Fichas Clínicas no IV Distrito Sanitário Recife PE”. A pesquisa analisou 750 prontuários de internação de adultos e crianças em cinco hospitais, nas clínicas médica e pediátrica de dois hospitais privados, dois públicos e de um filantrópico do Recife. O pior resultado ficou com os hospitais particulares, onde 71% das fichas de clínica médica e pediátrica foram consideradas péssimas. O índice é maior que o dos hospitais públicos, que têm 65% dos documentos nessas condições. Apenas o hospital filantrópico pesquisado apresentou um resultado abaixo da média: 44%.
Espelho da relação entre médico e paciente, o prontuário não foi preenchido de forma adequada, na maioria dos casos estavam incompletos ou ilegíveis.
Não podemos afirmar se a falta de zelo acontece por se tratar de ação rotineira, ou mesmo desinteressante, o fato é que escrever corretamente em um prontuário não parece estar entre as prioridades de muitos médicos.
Deve-se considerar a falta de tempo e os longos e estressantes plantões a que esses profissionais são frequentemente submetidos. Essa é uma realidade vista em todo o país, o que por sua vez não justifica o inadequado preenchimento do prontuário. Este mesmo prontuário que é o espelho da relação entre médico e paciente, este documento, o prontuário, é o maior aliado do médico e da instituição de saúde. Quando acionados judicialmente, uma prescrição correta, um procedimento indicado com precisão e, tão importante quanto, o carimbo e a assinatura do médico em letra legível, podem fazer a diferença para uma condenação civil ou criminal.
A metodologia aplicada considerou a primeira e a última consulta. O trabalho de campo revelou que um dos hospitais privados pesquisados chegou a ter 100% dos prontuários de clínica pediátrica na primeira consulta considerados péssimos, chamando a atenção o fato de um dos hospitais, um dos maiores do Recife, estar todo informatizado e mesmo assim isso não impediu que o médico deixasse o documento incompleto.
A situação é mais grave ainda quando se considera que o conceito péssimo, o documento precisa ter menos de sete itens preenchidos, de um universo de 27.Pior ainda é que, nem todas as sete respostas estavam completamente legíveis.
Para aqueles que não sabem, o prontuário médico é um conjunto de documentos com informações sobre a saúde e a assistência prestada ao paciente, e por isso deve ter a identificação do usuário, exames, evolução e procedimentos adotados. Quando não é preenchido de forma adequada, o paciente corre riscos de ser vítima de erros na administração de medicamentos e de falta de continuidade no tratamento. Os próprios médicos também podem ser prejudicados no caso de surgirem questionamentos sobre as condutas adotadas e processos jurídicos, pois se tornam vulneráveis.
Quando se fala na primeira consulta da clínica médica, a situação também é preocupante. Os hospitais privados têm problemas graves em 68,5% dos prontuários, enquanto os públicos têm em 60% e o filantrópico, em 59,5% da documentação.
Este fato por si só impede a construção de políticas públicas para melhorar a saúde da população. Como os governos vão saber do que as pessoas adoecem, como vão planejar medicamentos, o número de médicos? É preciso saber do que o indivíduo adoece, e assim por diante.Em uma rede pública onde o rodízio de profissionais é intenso, a situação é mais preocupante ainda, pois o usuário também não tem a cultura de valorizar o prontuário, mas ele pode exigir o documento quando for à consulta seguinte. O material deve ficar guardado sob a responsabilidade dos hospitais.Os hospitais obrigatoriamente têm comissão de revisão de prontuário, mas na prática elas não funcionam, o que é um risco a mais para o paciente e o médico.
As principais dificuldades citadas pelos médicos ouvidos na pesquisa na hora de preencher o prontuário é a falta de tempo, e os múltiplos empregos. Muitos passam rapidamente pelos hospitais, pois alegam que precisam de outros trabalhos, já que ganham pouco em apenas um. Porém, eles não podem pôr uma vida de um paciente em risco por conta de má remuneração.
O Conselho Federal de Medicina, normatiza essa relação por meio da resolução 1.638/02 que, determina que o prontuário é obrigatório, único, constituído pela junção de informações, imagens e fatos sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada. É por meio dele que se faz a comunicação entre a equipe multiprofissional que acompanha um mesmo caso.
Desta forma é possível se respaldar por ele, quando por exemplo é necessário demonstrar boa-fé do médico na relação com o paciente; demonstrar ao Conselho Regional de Medicina a inexistência de infração ética do médico; e a não condenação judicial tanto do profissional como da instituição de saúde em eventual ação de responsabilidade civil por erro médico.Mas para que isto aconteça é necessário que o prontuário esteja devidamente preenchido. De qualquer forma está claro que o médico apesar da sobrecarga de trabalho, deve parar para preparar o relato do que sabe sobre o paciente. Isso é uma determinação do Código de Ética Médica.
Aqui cabe uma breve observação do enorme crescimento do Direito Eletrônico, ou Direto Digital, que entre outras, abraça também as questões da área da saúde quando se usa sistemas de gestão, como é o prontuário eletrônico. Em consequência o erro médico é considerado quando há ação equivocada, por negligência, imprudência ou imperícia ou mesmo quando há omissão pelo profissional, ou seja, a escolha terapêutica deve ser bem fundamentada no prontuário e a sua condução também, de modo a não deixar dúvidas sobre ser a melhor escolha naquele momento e com aquela ferramenta disponível.
Diante disso tudo que aqui foi dito e da constatação inequívoca do estudo em questão, que reflete o dia a dia dos hospitais brasileiros, inclusive os particulares, as universidades e as instituições de saúde precisam encontrar maneiras de conscientizar os profissionais sobre como esse documento deve ser encarado com toda a seriedade e bom senso.
Entendemos que o principal problema é educacional, e a falta de uma formação acadêmica adequada. Nas universidades públicas e privadas, com raras exceções, o prontuário não é tratado como instrumento científico e pedagógico. Ele é visto de forma burocrática, pois os professores não lhe dão o devido valor, o que não estimula a qualidade ética do atendimento, e não respeitando o paciente, não se respeita o seu direito. Este é o único caminho a trilhar.

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